sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A elegância discreta do maitre

Na infância, nunca tive o prazer estrear uma roupa. Sou o quinto de oito irmãos, então sempre peguei a rebarba. O sapato quando chegava na minha vez, nem marcas na terra deixava. Um amigo de minha mãe disse uma frase que nunca esqueci: "Preto para ser respeitado tem que estar bem vestido". E aquilo não saiu mais na minha cabeça. Precisava me vestir bem!

Minha irmã se envolveu com essas coisas de desfilar, se precisavam de uma preta bonita, pronto, tava lá Dandara se exibindo toda, eu não gostava muito disto não, mas a moleca leva jeito. Ia sempre acompanhar pra que gavião nenhum mexesse com ela. Aí numa dessas, estou eu lá de segurança particular de minha irmã, e a dona do evento me pediu pra assumir o lugar de um garçom. Já veio com uma roupa na mão, me prometendo pagar o dobro do que pagaria ao faltoso. Dandara botou pilha e eu acabei aceitando. Os outros meninos mais experientes me ajudaram muito nesta noite, me deixaram só com os salgados finos pra servir porque não tinha muito salamaleque. Fiquei foi bonito naquela roupa!
Depois disso, Dandara veio com uma história de fazer um curso de maitre. E eu disse: lá vem você com suas maluquices. Mas, minha irmã tava certa! Encontrei a profissão que me deixaria realizado, só de pensar no uniforme já fico feliz em saber que tem trabalho à noite. Já conheci até o Presidente!
Quando entrei no Rafaello's já sabia que eles tinham um baba mensal. E me escalei logo para ser juiz, afinal, tenho que manter minha elegância. Ser juiz é muito chique!
E essas noites eram esperadas com ansiedade! Pelos meninos da cozinha e pela turma do salão que queria sempre provar que tava por fora esse papo de elite perna-de-pau.
Comprei uma roupa nova, para apitar a final do campeonato e estava ansioso para vestir.
Só que, justamente, nesta noite chegou um cliente faltando apenas 5 min para o encerramento da casa. Jogo se define em cinco minutos, mas a minha responsabilidade é comandar e treinar os funcionários, observar o fluxo de atendimento aos clientes, assim como supervisionar a qualidade e a apresentação dos produtos oferecidos no estabelecimento. Mas neste situação sabia que algo terrível estava por vir.
Tentei evitar a tragédia oferecendo-lhes o prato do dia, contudo, o cliente invocou com o pato e assim 2 milagres aconteceram. O primeiro não posso contar mas, o segundo foi ganhar da cozinha de 5x0.

Os milagres da cozinha

Trabalhar fins de semana é o fardo que carrego desde meu primeiro emprego como
auxiliar de cozinha. Já pensei em mudar de profissão e me livrar desde carma, mas, não
tem jeito, cozinha é uma mesmo uma cachaça.

Mas, o bom de trabalhar no Raffaelo`s é que funcionários são realmente unidos, parece
até uma família. No último sábado do mês acontece, no prédio do gerente, o baba Cozinha
X Salão. Cinco minutos antes do encerramento,a cozinha já está impecável e os
jogadores à espera do apito para correr para o abraço.

Naquela noite o clima tava quente, tínhamos apostado 2 caixas de cerveja e a turma estava
eufórica. Normalmente, nenhum engraçadinho chega nos minutos finais, e para que isso
nunca falhe um dos auxiliares fica encarregado de colocar uma vassoura atrás da porta
e jogar sal no fogão. Mas, daquela vez foi diferente, faltando exatos 3 minutos para o
fechamento, um casal decide entrar para jantar.

Cláudio, nosso querido Maitre, correu para a cozinha para saber que prato deveria oferecer
para não atrapalhar o início, sempre pontual, do nosso baba. E fui bem incisivo: cordeiro! Ainda temos 2 filés de prontos para sair.

E os jogadores agora estavam torcendo de dedos cruzados a espera da comanda.
A bendita não demorou a chegar. A tensão era geral. E pude ver o desapontamento
estampado em cada um dos rostos. Um pato e um cordeiro.

A fim de não perder nem mais um minuto, corri para pegar a porção do maldito
pato, para minha surpresa, e por descuido do chef de partida, não havia nenhuma
descongelada. Nada poderia ser pior naquele momento. O jogo iria atrasar e muito!

Foi quando o Nelson, um dos nossos auxiliares, se aproximou e falou no meu ouvido. "Chef,
tem uma porção de pato que acabei de jogar no lixo, a mesa nove pediu para devolver
enquanto você estava conferindo o estoque."

E não pensei duas vezes. Quem mandou entrar em restaurante aquela hora? E a cozinha
toda, num acordo tácito, operou o pato ali mesmo, o cadáver ressuscitou bem ali na frente
de todos. E 15 minutos depois já estávamos todos na Van a espera do juiz, que veio
anunciar que o cliente queria cumprimentar o chef pela deliciosa iguaria. Tive que voltar
correndo colocar o uniforme e pagar o pato.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O melhor pato

Consegui, finalmente, convidar aquela moça da firma pra sair. Primeiro encontro, tinha que me esforçar pra causar uma boa impressão. Era sábado, restaurantes lotados e não consegui nenhuma reserva, então, pensei em chegar próximo ao horário do fechamento, assim não teria mais tanta concorrência.

Escolhi o Rafaello’s, pela localização, aquela vista pro Cristo é deixar qualquer um apaixonado, ambiente agradável e um serviço impecável.

Peguei a pequena às 22h30, tudo cronometrado e cheguei faltando pouco mais de 5 min para o fechamento. Bingo! Estava tranquilo, poucas pessoas e uma mesa perfeita a nossa espera.

O maitre nos trouxe a carta de vinhos, escolhi um Sauvignon Blanc para harmonizar com a carne de cordeiro que é maravilhosa.

Comida tem que ser um prazer, um ritual que diz muito a nosso respeito. Costumo dizer que o tipo de guardanapo faz a ocasião. Guardanapo de papel é pro dia-dia, guardanapo de linho é para momentos inesquecíveis. E sim, queria fazer daquela noite uma noite inesquecível.

O maitre muito gentil veio até nós e sugeriu o prato do dia: cordeiro com cogumelos frescos, mas, declinei da sugestão. Vim salivando  e não abriria mão do pato ao molho de laranja com ervas, esse manjar dos deuses.

Só o aroma deste prato transporta pra outra dimensão. E desta vez ele estava mais vistoso, mais apetitoso. Parece que o chef adivinhou que aquela era a minha noite e fiz questão de cumprimentá-lo pessoalmente por aquela obra de arte.



sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma sexta especial

Sexta-feira é sempre um dia especial. É o dia do meu happy-hour com “Arnaldo”. Estou nos preparativos desde cedo: faço literalmente barba, cabelo unhas e bigode - Com essa onda de depilação Cleo Pires, ele ama o desenho do “bigode”.
Em casa, escolho a trilha sonora porque da última vez que deixei isso a encargo dele tive uma crise de risos e o happy hour virou stand up comedy.
Banho tomado e capricho no Victoria Secret’s de pêra, fruta predileta dele.
A pior parte é esperar o Pedrinho dormir, ao contrário do irmão Caio, o garoto parece que adivinha passarinho verde nessas horas. Sexta-feira, Ben 10 é proibido nesta casa, ó desenho que dá energia pra essa criança. Faço de tudo pra que eles durmam antes do pai chegar, mas às vezes, não tem jeito.
Arnaldo chega e tem lá seus rituais também. Passa meia hora trancado no banheiro e sai um galã. Digo que ele é meu Edson Celulari.
Na verdade, ele já foi bem melhor do que é hoje. Sabe como é, 46 anos, aquela barriguinha de chopp, pouca mobilidade... passando os anos, o que levava horas se resume a 13’ 17. Sim, já cronometrei. É por isso que não abro mão do ritual das sextas-feiras.
As vezes, a gente até inventa umas estorinhas pra coisa engrenar. Porque é chato ser sempre a mesma pessoa, não é?
Pus as crianças na cama com todo carinho, afaguei-lhes os cabelos e comecei a ler seu conto favorito.- Era a meia hora que Arnaldo precisava para seu banho. – E quase sincronizadamente, percebi que ele ja tinha terminado o banho, era o mesmo momento do ‘viveram felizes para sempre” e a duplinha já estava apagada. Sai do quarto sem fazer barulho para que não despertassem.
Arnaldo me recebeu animadamente no quarto com o vinho na taça. Nem tive tempo de perguntar qual era o escolhido da semana porque ele estava voraz. Disse que tinha passado o dia inteiro pensando em mim, então, deixei os detalhes para depois, até porque meu curso de enologia da Perini a essa altura tinha se perdido em meio ao que estava por vir.
Nem acreditei que ele notou e elogiou as luzes californianas que fiz no cabelo!
Me achou linda e dessa vez era muito sincero este elogio! meu marido é um gentleman!

Essa noite me marcou de maneira especial, foi melhor que a nossa lua de mel e melhor que a viagem à Paris. Só lembro que tranquei a porta e coloquei pra tocar a nossa música, Smooth Operator. Adoro Sade nessas horas...
Nem lembro quanto tempo passamos assim, rindo e nos amando loucamente. Tive medo de que as crianças despertassem, mas certeza que nossos anjinhos estavam dormindo. E certeza ainda maior é de era a única mulher na mente dele naquela noite!


Só faltava isso pra fechar essa semana infernal

Só faltava isso par fechar essa semana infernal. Que trânsito filho da puta! Tudo que eu queria hoje era uma cerveja, um filme de putaria e um boquete. Pior que hoje é dia “de fazer amor”, Carla vai encher o saco se eu falar que estou cansado. Mulher é foda mesmo, bem que meu pai falava para eu não casar.
- Diga Carla. - Oi meu bem, tá onde?- Estou chegando. E você já em casa?- Cheguei do salão agora. Você pode passar na Perini pegar vinho?- Compro. Que vinho?- Tanto faz. Escolha você.- Tá bom. Em meia hora estou aí. Beijo
O velho tava era certo. Casar é foda! Ainda tenho que escolher a merda do vinho. Se eu comprar um caro ela vai reclamar, se eu comprar um barato vai dizer que sou avarento não importa o vinho, ela vai achar ruim. Mas é isso aí, tudo pela família brasileira. Até que engarrafamento tem lá seu lado bom. Adoro essas gostosas com cara de suburbanas entregando a chance de comprar o aparamento dos meus sonhos.
- Boa noite senhor. Já conhece o novo lançamento do Horto?- Ainda não, mas estou doido para conhecer! E você delícia, vem junto com o apartamento?
Sem me responder o meu sonho de consumo sai balançando a bunda e com um sorriso disfarçado na cara de safada. Puta merda! Esqueci a porra do vinho. Já foi, tem um aberto na geladeira vai ser esse mesmo. Tenho que lembrar de falar do cabelo dela. Essa vizinha até que dá um caldo. Se esse elevador quebra eu juro que não me controlo e pego essa putinha de jeito.
- Boa noite família! Papai chegou.- Arnaldo, você demorou.- Foi o trânsito. Meu amor, você está diferente. - Diferente feia ou diferente bonita?- Diferente linda!!! O cabelo ficou ainda mais lindo.- Ai meu bem, você que é maravilhoso.
Ainda bem que ela nem lembrou do vinho, eu sou demais, acho que posso lançar uma tese sobre como dobrar as mulheres. Tudo que preciso é de um banho para esquecer essa semana.
- Pai, vem jogar uma partidinha com a gente.- Filhão, hoje o papai tá cansado e vai tomar um banho, mas amanhã eu prometo que jogo várias partidas. Vão deitar que já é tarde, amanhã a gente vai passar o dia inteiro juntinho. 
 A vizinha delícia me deixou de pau duro. Mas minha homenagem de hoje vai ser para a putinha do semáforo. Tomara que os meninos durmam logo senão acabo agilizando meu lado sozinho. Preciso de mais pimenta pra comer esse feijão, mas hoje eu queria mesmo era uma rabada, daria tudo por uma rabada, feijão toda sexta é foda! Nada que 10 minutos de Brasileirinhas no modo silencioso não resolva, se Carla me pega no flagra eu tô fudido, vai falar a noite inteira e nem minha punheta vou poder bater. Bem que ela podia liberar o cu hoje, será que toda mulher regula cu? Já cansei de a ouvir ela falar que “cu não é buceta”, mas no fundo ela  tem razão. Adoro essa cena, essa loira é uma gostosa.   ”E viveram felizes para sempre”. Caralho! Ela tá vindo, desliga porra! - E coloco minha cara de marido apaixonado.
- Meu amor, você demorou. Estou aqui morrendo de vontade de você, vem logo pra cama. - Calma gostoso, deixa eu trancar a porta e colocar nossa música. - Quanta animação é essa, gostoso?- Fiquei assim o dia inteiro só de pensar em chegar e fazer amor com minha mulherzinha.
No fim das contas, até que a noite foi gostosa, não sei se pelo vinho da geladeira, a putinha do sinal ou a vizinha do elevador. De alguma forma Carla me surpreendeu! Nesta noite ela estava tão empolgada que nem lembrou que cu não é buceta. E vê-la tão contente me deixou com a certeza de que eu realmente ainda sou foda.

As noites eram sempre iguais...


 As noites eram sempre iguais, ela vinha, deitava-se com o Caio, contava uma de suas estórias enquanto eu a aguardava ansiosamente. “E viveram felizes para sempre”, pronto, tinha chegado a minha vez, então ela seria só minha por mais um conto de fadas. Naquela noite nem a Bela Adormecia estaria tão linda quanto a minha mãe, sua voz suave era como um sonífero e em poucos minutos eu já estaria sonhando com os anjos. Mas dessa vez a noite seria diferente, na verdade, diferente seria o dia seguinte, uma viagem com a turma da escola mudaria o rumo dos fatos. Eu estava agitado e sem sono, sonhando com a aventura, com a brincadeira no fundo do ônibus, com o banho de piscina e com passeio de charrete. Foi assim que o sonífero perdeu o efeito instantâneo, ela se foi e me deixou ali abandonado e sozinho no meio da noite. Sua saída sorrateira nem deu chance para que eu suplicasse por mais 10 minutos de sua presença.
Acho melhor ficar quieto e contar uns carneirinhos para chegar logo amanhã. Estranho, eles sempre dormem de porta aberta. Por que será que mamãe trancou a porta? Será que já estão embalando os presentes de Natal? Mas eu ainda nem estou de férias.. E o silêncio do apartamento foi quebrado com a música preferida da mamãe, a que ela sempre ouvia quando estava de bem com o papai. Eu também queria fazer parte da festa, mas de alguma forma sabia que não estava convidado. Uma angústia foi se instalando e em poucos segundos eu estava suando frio. Eles começaram a cochichar e rir, mesmo sem entender o assunto eu sabia que já deveria estar dormindo, aquilo não era  conversa para criança. Mamãe parecia cada vez mais animada e papai já não era “meu bem” e sim “gostoso”. Eu preciso dormir! Não quero ouvir isso! Coloquei o travesseiro em cima do rosto, mas não adiantou. Eles estavam fazendo aquilo bem ali, bem pertinho de mim. Será que eu vou ganhar mais um irmão? Sempre achei que eles só fizeram aquilo 2 vezes, uma para eu nascer e outra para Caio. E mamãe começou a gritar, e cada vez mais alto, será que ele estava machucando ela? Mas ela parece estar gostando. Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador. Se a ti me confiou a piedade Divina, me rege, me guarde, me governe, me ilumine. Amém. Mamãe sempre falava para eu rezar que o sono vinha, mas dessa vez ele não veio. E ela gritava mais alto, ele também fazia um barulho estranho. Que raiva, odeio meu pai, ele não podia fazer isso comigo. Minha agonia parecia não ter fim. Depois de consumado o fato a porta se abriu a luz apagou e a noite voltou a ser silenciosa como deveria.  Dali em diante eu tinha uma missão: teria que segurar a mão dela bem forte todas as noites para que nunca mais ela caísse nas garras do papai até eu estar completamente desacordado.  Volta e meia acordo perturbado por essa lembrança. Aquela noite foi mesmo difícil.

Soraia, às vezes eu acho que é por isso que eu não consigo falar durante o sexo. Faz sentido?

- Bem Pedro, por hoje é só. Encerramos aqui, semana que vem no mesmo horário.

- Ok, estarei aqui.